Como te tornares num atleta de topo, quando só levas na bagagem uma muda de roupa

2022-09-20

Como te tornares num atleta de topo, quando só levas na bagagem uma muda de roupa

Comecei a dar os primeiros passos no ciclismo de estrada aos 36. Nesse primeiro ano fiz uns 3000 kms, não muito mais: tinha o material básico, vontade e gosto pela modalidade que, no fundo, veio preencher uma lacuna de anos sem desporto.

Até aqui, tinha feito bodyboard, dos 15 aos 20 anos, com algum sucesso desportivo, a nível regional. Seguiram-se 16 anos a praticar sedentarismo. Umas corridas, umas idas ao ginásio e uma desistência constante. Abafava nos primeiros degraus das escada para o escritório. Cada vez acumulava mais gordura corporal e já levava um peso acima dos 70 kg.  

Era preciso fazer alguma coisa, mas o excesso de trabalho roubava muito tempo, desgastava a saúde e levava-me ao limite. Precisava de outro limite. Um limite que pudesse ser eu a ultrapassar e a estabelecer, quase por etapas, em que te tens de bater a ti próprio sem fazeres depender a tua vida apenas e só de trabalho.

Admito. Sou competitivo e obcecado pelo que gosto. Só precisava de saber do que “gosto”. E o ciclismo mostrou-me do que eu gostava, como eu me podia envolver, crescer, escapar ao stress do dia-a-dia e, sobretudo, fazer desporto, tão essencial a uma vida mais saudável.

No inicío, eram só umas voltas ao fim-de-semana. Até descobrir as primeiras subidas e as montanhas foi um passinho. Depois, mais um passinho ao experimentar a competição. E outro, e outro. Mas não chegavam para evoluir. Eu tinha na bagagem uma muda para uma noite e não previa “ficar tanto tempo”, até porque todos os outros ciclistas dos granfondos, os melhores, tinham anos de experiência, de prática e de evolução na modalidade, ainda que os Granfondos sejam, “passeios cicloturisticos amadores” e parte dos atletas estejam ali para desfrutar de uma volta de estrada fechada.

Mas não é bem assim. Enganem-se os que chamam os Granfondos de competição clandestina. Pelo menos os primeiros 100, desunham-se por mais um lugar, por mais uma posição, por menos um minuto no final da prova, por um pódio ou pela vitória. É tudo cronometrado, premiado e classificado. Quem ganha ali, é tão ou mais profissional que qualquer ciclista profissional em Portugal.

Então como chegar lá, ou perto dos melhores? Como ser um atleta de topo?

A resposta não é simples e não se consegue ser um atleta de topo de um dia para o outro. Nem de um ano para o outro. É preciso tempo, dedicação, disciplina e pormenor. Mas não basta. É preciso fazer, executar, deixar muitas coisas para trás. Por si só, a disciplina exige método, sacrifício e uma mentalidade forte. Não é uma coisa que se vai fazer bem e repetir uma data de meses. É uma construção gigantesca. Demora anos.

Para criar regras, é preciso um treinador que te desenhe a época e os treinos para executares. O resto do caminho fazes tu. És tu que tens de treinar. És tu que tens de fazer com que cada treino valha a pena e seja um passo na tua evolução. Cada parâmetro vai te melhorar e dar-te determinada condição. É preciso interiorizar e acreditar no que estás a fazer, senão, é só mais uma volta.

Antes de começar um treino, faço sempre uma visualiação de como vai ser, de como o vou executar. Isto permite com que te foques mais no que vais fazer. Repito milhares de vezes as mesmas coisas, porque sei que me vai melhorar como ciclista. E acredito nisso a cada pedalada.

Depois de treinos específicos, que te vão melhorar a tua condição física e te vão dar “skills”, precisas de encaixar novos parâmetros: tens a bicicleta, que muitos se lembram de melhorar e trocar para “andarem” mais (com dinheiro é tudo mais fácil, mas nem sempre o mais importante). Tens o teu corpo e é nele que está o segredo (mente incluída). Se por um lado é a cabeça que manda, por outro, tens de ter um corpo obediente, bem trabalhado para responder às exigências dos treinos, à carga, à intensidade e à crescente fadiga. Quanto mais cansado ficas, mais perto estás de desistir. E começas a interrogar-te. Valerá a pena? Para que faço isto? São ratoeiras da mente quando há ainda muito por fazer.Quanto mais melhoras, mais tens de acrescentar, melhorar e suprimir o que está a mais.

A resiliência é também muito importante. Colocar muitas vezes de lado a vontade de treinar ou não e ir na mesma, não interessa de que forma. Está frio, está calor, está molhado, está seco, está muito vento, está de noite, é tarde, estou cansado... já tive de combater estas adversidades todas. É aqui que começam as vitórias mais importantes.  

Às muitas horas de bicicleta tens de somar horas de reforço muscular, alongamentos, massagens, recuperação que complementam e melhoram o corpo para aguentar os esforços em cima da bicicleta. As pernas têm de ser fortes e bem preparadas, mas o “core” é essencial para a estabilidade e os braços ajudam quando sobes em pé.

Cada vez mais bem preparado, tens de ficar “fit”, seco. A alimentação e a nutrição têm aqui um papel fundamental. É o que comes que vai dar força ao corpo. Tens de escolher bem e melhor, e ir aprendendo, porque nesta matéria teríamos certamente, mais umas páginas para falar sobre isso. Numa primeira fase, podemos olhar para a roda dos alimentos e para o básico: abusar nas frutas e verduras, evitar os fritos e as gorduras e depois vamos aprendendo. Há superalimentos que valem bem a pena, mas deixemos isso para outro dia.

Ser um atleta de topo não significa ser o melhor da modalidade. Significa treinar a um nível acima, que poucos conseguem, independentemente dos resultados imediatos. Significa ser a melhor versão de nós próprios que se vai moldando e crescendo a cada dia, a cada prova, a cada superação.      

  

 

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